quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O maravilhoso espetáculo dos raios


 
Valter Luiz Líbero
Instituto de Física de São Carlos, IFSC-USP
Email:
libero@ifsc.usp.br
 
Poucos fenômenos da natureza despertam tanto nossa atenção como os raios, ou relâmpagos. Apesar de muitas vezes nos amedrontarem, há uma beleza intrínseca no brilho, na grande extensão espacial, suas ramificações no céu e até mesmo no barulho que causam, denominado trovão. No entanto, as causas e os mecanismos de origem dos raios não são muito conhecidos, e poucas pessoas sabem que são essenciais para o nosso planeta, estando associados até mesmo à evolução da vida no nosso planeta.
Em essência, os raios são descargas elétricas originadas pelo acúmulo de cargas opostas entre duas regiões da atmosfera. O fluxo de carga pode ocorrer de uma nuvem para outra, de uma nuvem para a superfície da Terra, ou de uma estrutura metálica alta para a nuvem, sendo este caso bem menos frequente (cerca de um em cada 100 raios sobem). O mecanismo de origem dos raios é complexo e ainda motivo de estudos. Basicamente, ao se formar uma nuvem de tempestade (aquelas escuras), devido aos processos de evaporação da água, há ciclos de transformação de água líquida em cristais de gelo e em granizos, isso em grandes alturas. Nesses ciclos, por colisão, os granizos ficam com cargas negativas e por serem mais pesados concentram-se na base da nuvem; os cristais de gelo ficam carregados positivamente e se espalham pela nuvem. Com isso há o surgimento de um campo elétrico dentro da nuvem que ao atingir um valor crítico (capaz de romper a rigidez dielétrica ou isolação elétrica do ar) possibilitará a descarga elétrica nuvem-nuvem; esses são os raios mais frequentes. Há também a formação de um campo elétrico entre a nuvem e a superfície da Terra, que ao romper a isolação do ar também origina um raio descendente, chamado precursor, mas esse nós não vemos. Esse mesmo campo elétrico induz cargas de sinal oposto na superfície terrestre, que podem iniciar um movimento de subida de cargas; é o raio ascendente, que também não vemos. Esses dois raios precursores, cujos caminhos são ramificados, podem se encontrar e assim fechar um caminho nuvem-terra (como se um finíssimo fio condutor fosse ligado entre nuvem e terra), pelo qual se inicia uma descarga de altíssima intensidade, torna o ar um plasma muito aquecido favorecendo ainda mais a passagem das cargas. Esse é o raio que vemos. O aquecimento súbito do ar provocado por esse raio intenso e a consequente expansão do ar dá origem ao trovão. Podem ocorrer outras descargas pelo mesmo caminho precursor. Assim, o raio pode ser visto como regulador de um equilíbrio elétrico necessário entre céu e terra.
Os raios não são manifestações de alguma falha, ou mesmo de descuido nosso para com o planeta. Sempre existiram e desempenharam papel fundamental no processo de formação da vida no nosso planeta; na verdade até hoje desempenham. Uma boa parte do ozônio de nossa atmosfera origina-se em descargas atmosféricas. Raios ocorrem também em outros planetas, principalmente nos gigantes gasosos Júpiter e Saturno. Somente uma estatística mais aprimorada, que já está em curso, pode revelar se está havendo algum desequilíbrio na quantidade de raios, e as conseqüências disso para o nosso planeta.
Tipicamente, a tensão elétrica, isto é, a força em volts, necessária para um raio ocorrer é da ordem de um milhão de vezes aquela que utilizamos em nossas casas (tipicamente 110 volts). A corrente elétrica, que é o fluxo de carga presente num raio, é cerca de 2000 vezes a que circula numa residência (tipicamente 50 ampères com chuveiro ligado). A temperatura do ar ao redor de um raio pode alcançar 25 mil graus. No entanto, apenas uma fração da energia do raio está na corrente elétrica, sendo a maior percentagem contida na forma de calor, radiação eletromagnética (luz e ondas de rádio), e como o processo todo, desde a formação dos precursores até a descarga final, dura cerca de um segundo, resulta numa energia elétrica da ordem de apenas 300 KWh, equivalente ao consumo de uma lâmpada de 100 W acesa durante 4 meses. Então, apesar dos valores de tensão e corrente serem altos, dada a curta duração dos raios, teríamos que armazenar a energia de muitos raios para que essa fonte de energia fosse proveitosa. Além do mais, é praticamente impossível prever exatamente onde um raio irá cair!
A queda de raios causa diversas mortes anualmente. No Brasil, nos últimos dez anos pelo menos 1320 pessoas morreram vítimas dos mesmos. Os prejuízos materiais chegam a um bilhão de reais ao ano, normalmente relacionados à queima de aparelhos eletrônicos, ou destruição de linhas de transmissão de energia, telefonia ou de dados. Ao cruzarmos uma linha de transmissão de eletricidade, podemos ver um ou mais fios elétricos ligando os topos das torres de sustentação dos cabos; eles são denominados fios terra. Não há corrente sendo transportada nesses fios; eles estão aí para proteger os cabos de transmissão. Um raio terá mais chance de cair nesses fios terra e assim se desviar para o chão através das torres, sem atingir os cabos de transmissão.
O Brasil registra uma incidência muito alta de raios. Não se sabe ao certo a razão disso, mas o Brasil é um país tropical e de extensão territorial enorme. A rica vegetação brasileira causa uma evaporação de grande proporção, facilitando a formação de nuvens. A enorme extensão terra-mar contribui para que haja muita alteração climática, favorecendo o aparecimento de tempestades. Há também correlações entre períodos de grande incidência de raios em certas regiões do Brasil e os fenômenos La Niña e El Niño. Há indicações, ainda em debate, que a cada grau de aumento da temperatura global, pode corresponder a 10 ou 20% de aumento no número médio de raios. Tem havido um aumento na incidência de raios em centros urbanos, que tem sido atribuído ao aumento da poluição e da temperatura média nesses centros.
Outro fator que tem influência na origem dos raios são certas partículas emanadas pelo Sol, pois elas podem ajudar no desencadeamento da corrente que forma os raios precursores (elas ajudam a romper a isolação elétrica do ar). Neste ano de 2012 está ocorrendo o pico de manchas solares, que tem período de 11 anos, e o efeito disso na incidência dos raios está sendo monitorado.
Algumas ações podem ajudar na prevenção dos danos causados por raios. Em grandes edificações, o uso de para-raios é obrigatório. Um para-raio é uma estrutura metálica usualmente em forma de ponta colocada em lugar alto, que visa estabelecer um caminho mais fácil, seguro e controlado, para o raio chegar ao solo. Ao contrário do que se pensa, a ação de um para-raio é bem limitada em alcance, protegendo basicamente uma área de diâmetro igual a sua altura do solo.
Durante tempestades, deve-se evitar lugares planos e abertos, pois ali você será o ponto mais alto do chão e de maior facilidade para a descarga chegar ao solo. Não fique embaixo de construção metálica que não esteja aterrada, como ranchos de teto de zinco erguidos sobre pilares de madeira ou mesmo tijolos; isso é comum em fazendas. Um raio que caia nesse teto verá sua cabeça como o ponto de maior facilidade para se escoar para o chão. Não fique próximo a árvores, pois estas podem facilitar a queda de um raio (são úmidas e infincadas no solo). Não podendo se esconder numa edificação fechada, como uma casa ou mesmo um carro, você também não deve deitar no chão. Uma descarga próxima pode induzir correntes no chão que passarão por todo o seu corpo, podendo matá-lo (é por isso que animais morrem com freqüência vítimas de raios, pois a corrente induzida no solo pode entrar por uma pata e sair por outra, com chance de passar pelo coração). O melhor é colocar os pés juntos, dobrar os joelhos, abaixar a cabeça e fechar os braços ao seu redor (e não cair dessa posição!). Em meio a uma tempestade, jamais fique nadando, seja na praia ou em piscina, andando a cavalo ou de bicicleta, ou jogando futebol. Enfim, evite fazer o papel de para-raio!
Ao contrário do que se ouve, raios podem sim cair no mesmo lugar, e de fato há muitos registros de múltiplos raios em edificações metálicas de grande altura. Vítimas de raios não incorporam nada de especial, além dos tristes malefícios de queimaduras e avarias no sistema nervoso. Isolantes entre o solo e uma pessoa não garantem sua segurança. Há exemplos de pessoas em carrocerias abertas de caminhões que foram atingidas por raios e com consequências fatais. Mesmo isolada do chão, o raio pode atingir uma pessoa e se dirigir para a estrutura mais próxima que lhe dê caminho ao solo. Já, pessoas dentro de estruturas metálicas fechadas, como um veículo, não são afetadas por raios, pois estes não penetram em corpos metálicos fechados, mas se espalham pela superfície do mesmo e se escoam para algum outro corpo externo na proximidade. Durante uma tempestade não é aconselhável tomar banho, usar telefones fixos, ou mesmo ficar perto de equipamentos que tenham conexões externas, como televisores, ou microcomputadores (conectados a redes). Os riscos, embora pequenos nessas situações, existem.
Não é possível prever onde um raio irá cair, mas pode-se mapear regiões onde caem com mais frequência. O Grupo de Eletricidade Atmosférica, ELAT, do INPE, tem implantado nos últimos anos uma rede de monitoramento de raios, que irá certamente melhorar as estatísticas de incidência de raios no Brasil. Também no INPE, nós temos o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos, Cptec, que presta relevante serviço de previsão meteorológica para todo Brasil, particularmente para o setor agrícola; é o centro mais avançado nessa área em toda América Latina. O mapeamento mais detalhado das áreas de maior ocorrência de tempestades contribuirá para melhor entendermos, por exemplo, porque o Brasil é um dos campeões mundiais em incidência de raios.
Outras informações a respeito da origem desse fascinante e importante fenômeno natural, seu mecanismo de atuação e como minimizar seus malefícios podem ser encontradas nas referências abaixo.