Poucos fenômenos da natureza
despertam tanto nossa atenção como os raios, ou relâmpagos. Apesar de
muitas vezes nos amedrontarem, há uma beleza intrínseca no brilho, na
grande extensão espacial, suas ramificações no céu e até mesmo no
barulho que causam, denominado trovão. No entanto, as causas e os
mecanismos de origem dos raios não são muito conhecidos, e poucas
pessoas sabem que são essenciais para o nosso planeta, estando
associados até mesmo à evolução da vida no nosso planeta.
Em essência, os raios são
descargas elétricas originadas pelo acúmulo de cargas opostas entre duas
regiões da atmosfera. O fluxo de carga pode ocorrer de uma nuvem para
outra, de uma nuvem para a superfície da Terra, ou de uma estrutura
metálica alta para a nuvem, sendo este caso bem menos frequente (cerca
de um em cada 100 raios sobem). O mecanismo de origem dos raios é
complexo e ainda motivo de estudos. Basicamente, ao se formar uma nuvem
de tempestade (aquelas escuras), devido aos processos de evaporação da
água, há ciclos de transformação de água líquida em cristais de gelo e
em granizos, isso em grandes alturas. Nesses ciclos, por colisão, os
granizos ficam com cargas negativas e por serem mais pesados
concentram-se na base da nuvem; os cristais de gelo ficam carregados
positivamente e se espalham pela nuvem. Com isso há o surgimento de um
campo elétrico dentro da nuvem que ao atingir um valor crítico (capaz de
romper a rigidez dielétrica ou isolação elétrica do ar) possibilitará a
descarga elétrica nuvem-nuvem; esses são os raios mais frequentes. Há
também a formação de um campo elétrico entre a nuvem e a superfície da
Terra, que ao romper a isolação do ar também origina um raio
descendente, chamado precursor, mas esse nós não vemos. Esse mesmo campo
elétrico induz cargas de sinal oposto na superfície terrestre, que
podem iniciar um movimento de subida de cargas; é o raio ascendente, que
também não vemos. Esses dois raios precursores, cujos caminhos são
ramificados, podem se encontrar e assim fechar um caminho nuvem-terra
(como se um finíssimo fio condutor fosse ligado entre nuvem e terra),
pelo qual se inicia uma descarga de altíssima intensidade, torna o ar um
plasma muito aquecido favorecendo ainda mais a passagem das cargas.
Esse é o raio que vemos. O aquecimento súbito do ar provocado por esse
raio intenso e a consequente expansão do ar dá origem ao trovão. Podem
ocorrer outras descargas pelo mesmo caminho precursor. Assim, o raio
pode ser visto como regulador de um equilíbrio elétrico necessário entre
céu e terra.
Os raios não são manifestações
de alguma falha, ou mesmo de descuido nosso para com o planeta. Sempre
existiram e desempenharam papel fundamental no processo de formação da
vida no nosso planeta; na verdade até hoje desempenham. Uma boa parte do
ozônio de nossa atmosfera origina-se em descargas atmosféricas. Raios
ocorrem também em outros planetas, principalmente nos gigantes gasosos
Júpiter e Saturno. Somente uma estatística mais aprimorada, que já está
em curso, pode revelar se está havendo algum desequilíbrio na quantidade
de raios, e as conseqüências disso para o nosso planeta.
Tipicamente, a tensão elétrica,
isto é, a força em volts, necessária para um raio ocorrer é da ordem de
um milhão de vezes aquela que utilizamos em nossas casas (tipicamente
110 volts). A corrente elétrica, que é o fluxo de carga presente num
raio, é cerca de 2000 vezes a que circula numa residência (tipicamente
50 ampères com chuveiro ligado). A temperatura do ar ao redor de um raio
pode alcançar 25 mil graus. No entanto, apenas uma fração da energia do
raio está na corrente elétrica, sendo a maior percentagem contida na
forma de calor, radiação eletromagnética (luz e ondas de rádio), e como o
processo todo, desde a formação dos precursores até a descarga final,
dura cerca de um segundo, resulta numa energia elétrica da ordem de
apenas 300 KWh, equivalente ao consumo de uma lâmpada de 100 W acesa
durante 4 meses. Então, apesar dos valores de tensão e corrente serem
altos, dada a curta duração dos raios, teríamos que armazenar a energia
de muitos raios para que essa fonte de energia fosse proveitosa. Além do
mais, é praticamente impossível prever exatamente onde um raio irá
cair!
A queda de raios causa diversas
mortes anualmente. No Brasil, nos últimos dez anos pelo menos 1320
pessoas morreram vítimas dos mesmos. Os prejuízos materiais chegam a um
bilhão de reais ao ano, normalmente relacionados à queima de aparelhos
eletrônicos, ou destruição de linhas de transmissão de energia,
telefonia ou de dados. Ao cruzarmos uma linha de transmissão de
eletricidade, podemos ver um ou mais fios elétricos ligando os topos das
torres de sustentação dos cabos; eles são denominados fios terra. Não
há corrente sendo transportada nesses fios; eles estão aí para proteger
os cabos de transmissão. Um raio terá mais chance de cair nesses fios
terra e assim se desviar para o chão através das torres, sem atingir os
cabos de transmissão.
O Brasil registra uma incidência
muito alta de raios. Não se sabe ao certo a razão disso, mas o Brasil é
um país tropical e de extensão territorial enorme. A rica vegetação
brasileira causa uma evaporação de grande proporção, facilitando a
formação de nuvens. A enorme extensão terra-mar contribui para que haja
muita alteração climática, favorecendo o aparecimento de tempestades. Há
também correlações entre períodos de grande incidência de raios em
certas regiões do Brasil e os fenômenos La Niña e El Niño.
Há indicações, ainda em debate, que a cada grau de aumento da
temperatura global, pode corresponder a 10 ou 20% de aumento no número
médio de raios. Tem havido um aumento na incidência de raios em centros
urbanos, que tem sido atribuído ao aumento da poluição e da temperatura
média nesses centros.
Outro fator que tem influência
na origem dos raios são certas partículas emanadas pelo Sol, pois elas
podem ajudar no desencadeamento da corrente que forma os raios
precursores (elas ajudam a romper a isolação elétrica do ar). Neste ano
de 2012 está ocorrendo o pico de manchas solares, que tem período de 11
anos, e o efeito disso na incidência dos raios está sendo monitorado.
Algumas ações podem ajudar na
prevenção dos danos causados por raios. Em grandes edificações, o uso de
para-raios é obrigatório. Um para-raio é uma estrutura metálica
usualmente em forma de ponta colocada em lugar alto, que visa
estabelecer um caminho mais fácil, seguro e controlado, para o raio
chegar ao solo. Ao contrário do que se pensa, a ação de um para-raio é
bem limitada em alcance, protegendo basicamente uma área de diâmetro
igual a sua altura do solo.
Durante tempestades, deve-se
evitar lugares planos e abertos, pois ali você será o ponto mais alto do
chão e de maior facilidade para a descarga chegar ao solo. Não fique
embaixo de construção metálica que não esteja aterrada, como ranchos de
teto de zinco erguidos sobre pilares de madeira ou mesmo tijolos; isso é
comum em fazendas. Um raio que caia nesse teto verá sua cabeça como o
ponto de maior facilidade para se escoar para o chão. Não fique próximo a
árvores, pois estas podem facilitar a queda de um raio (são úmidas e
infincadas no solo). Não podendo se esconder numa edificação fechada,
como uma casa ou mesmo um carro, você também não deve deitar no chão.
Uma descarga próxima pode induzir correntes no chão que passarão por
todo o seu corpo, podendo matá-lo (é por isso que animais morrem com
freqüência vítimas de raios, pois a corrente induzida no solo pode
entrar por uma pata e sair por outra, com chance de passar pelo
coração). O melhor é colocar os pés juntos, dobrar os joelhos, abaixar a
cabeça e fechar os braços ao seu redor (e não cair dessa posição!). Em
meio a uma tempestade, jamais fique nadando, seja na praia ou em
piscina, andando a cavalo ou de bicicleta, ou jogando futebol. Enfim,
evite fazer o papel de para-raio!
Ao contrário do que se ouve,
raios podem sim cair no mesmo lugar, e de fato há muitos registros de
múltiplos raios em edificações metálicas de grande altura. Vítimas de
raios não incorporam nada de especial, além dos tristes malefícios de
queimaduras e avarias no sistema nervoso. Isolantes entre o solo e uma
pessoa não garantem sua segurança. Há exemplos de pessoas em carrocerias
abertas de caminhões que foram atingidas por raios e com consequências
fatais. Mesmo isolada do chão, o raio pode atingir uma pessoa e se
dirigir para a estrutura mais próxima que lhe dê caminho ao solo. Já,
pessoas dentro de estruturas metálicas fechadas, como um veículo, não
são afetadas por raios, pois estes não penetram em corpos metálicos
fechados, mas se espalham pela superfície do mesmo e se escoam para
algum outro corpo externo na proximidade. Durante uma tempestade não é
aconselhável tomar banho, usar telefones fixos, ou mesmo ficar perto de
equipamentos que tenham conexões externas, como televisores, ou
microcomputadores (conectados a redes). Os riscos, embora pequenos
nessas situações, existem.
Não é possível prever onde um
raio irá cair, mas pode-se mapear regiões onde caem com mais frequência.
O Grupo de Eletricidade Atmosférica, ELAT, do INPE, tem implantado nos
últimos anos uma rede de monitoramento de raios, que irá certamente
melhorar as estatísticas de incidência de raios no Brasil. Também no
INPE, nós temos o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos,
Cptec, que presta relevante serviço de previsão meteorológica para todo
Brasil, particularmente para o setor agrícola; é o centro mais avançado
nessa área em toda América Latina. O mapeamento mais detalhado das áreas
de maior ocorrência de tempestades contribuirá para melhor entendermos,
por exemplo, porque o Brasil é um dos campeões mundiais em incidência
de raios.
Outras informações a respeito da
origem desse fascinante e importante fenômeno natural, seu mecanismo de
atuação e como minimizar seus malefícios podem ser encontradas nas
referências abaixo.